Raio-X do joelho

Quando a cirurgia não é o que cura: o impacto surpreendente do placebo na ortopedia

O que estudos com cirurgias simuladas revelam sobre dor, cérebro e as verdadeiras fontes de melhora.

Você já parou para pensar que a melhora da dor após uma cirurgia ortopédica pode não vir da
cirurgia em si?
E se o que reduziu sua dor foi a experiência da cirurgia — o ambiente, a anestesia, a expectativa, o
cuidado — e não a intervenção mecânica?
Essa pergunta só ganhou força dentro de mim depois que me aprofundei em alguns dos estudos
científicos mais fascinantes (e perturbadores) da medicina moderna. Ao estudá-los, fiquei
genuinamente impactada com a força do cérebro e com o quanto, mesmo dentro da ortopedia —
uma área tão “mecanicista” — a neurociência continua surpreendendo.

O que a ciência descobriu sobre cirurgias placebo?

Durante meus estudos sobre dor e neurociência, cheguei a pesquisas clássicas que compararam
cirurgias reais com cirurgias simuladas (placebo). Em ambos os casos, os pacientes acreditavam
ter sido operados — mas apenas parte deles realmente foi.
Os resultados?
Quase inacreditáveis.

1. O estudo que mudou a ortopedia: Artroscopia
placebo no joelho (Moseley, 2002)

Pacientes com osteoartrite foram divididos em três grupos:

  • Artroscopia real com desbridamento
  • Artroscopia real com lavagem
  • Cirurgia placebo: anestesia, cortes na pele, cheiros, ritual cirúrgico — mas sem colocar
    instrumentos dentro da articulação.

E o que aconteceu?

✔ Todos os grupos melhoraram igual.
✔ A dor reduziu da mesma forma.
✔ A mobilidade não melhorou em nenhum grupo.

Ou seja:

A experiência cirúrgica — e não a cirurgia — foi responsável pela redução da dor.
O cérebro acreditou que algo havia sido consertado.
E, acreditando nisso, reduziu a dor.
Além disso:

  • todos receberam anti-inflamatórios potentes no pós-operatório
  • todos fizeram fisioterapia
  • todos passaram por um ritual potente de cuidado
    Esses fatores, sozinhos, já têm efeito significativo sobre a dor.

2. A coluna vertebral e outra surpresa: Vertebroplastia
placebo (Buchbinder, 2009)

A vertebroplastia, um procedimento para fraturas osteoporóticas, também foi comparada a uma
versão simulada.
Resultado?

✔ Redução da dor nos dois grupos.
✔ Sem diferença entre a cirurgia real e a placebo.
✔ O “ato cirúrgico” foi mais poderoso que a intervenção.

Isso reforça uma ideia essencial:
Dor não é apenas sobre tecidos. É sobre percepção, contexto e cérebro.

O que tudo isso significa para você, paciente?

Como fisioterapeuta, quanto mais estudo neurociência e dor, mais percebo algo fundamental:

O cérebro é profundamente envolvido na experiência da dor — muito
mais do que fomos ensinados a acreditar.

Esses estudos não dizem que a dor é “psicológica” ou “inventada”.
Eles dizem que:

  • o cérebro interpreta sinais
  • expectativas modulam a dor
  • o contexto muda o resultado
  • o corpo responde ao cuidado, ao ritual, à crença
  • a reabilitação tem impacto real, antes e depois da cirurgia

Os pacientes dos estudos juravam ter sido operados.
E, por acreditarem nisso, seus cérebros reduziram a dor — de forma real, mensurável, confiável.

Por que isso importa?

Porque muitos procedimentos ortopédicos foram realizados por décadas sem nunca terem sido
comparados a um placebo.
E quando finalmente foram, a ciência revelou que:

👉muitas cirurgias tratam dor, mas não tratam a causa
👉o efeito placebo cirúrgico é extremamente poderoso
👉a fisioterapia e o cuidado pós-operatório explicam grande parte da
melhora
👉seu cérebro é ativo na cura, não passivo

Entender isso não diminui ninguém.
Pelo contrário:
empodera.

Significa que existe muito que podemos fazer para melhorar a dor sem precisar de cirurgias que não
alteram estruturas.

Eu sigo impressionada — e espero que você também se permita refletir sobre isso.

Referências Científicas

1. Artroscopia para Osteoartrite do Joelho

O estudo mais influente sobre a eficácia da artroscopia do joelho em comparação com o placebo é o ensaio controlado e randomizado de Moseley et al. em 2002. Este estudo é frequentemente citado para demonstrar que a cirurgia artroscópica (lavagem ou desbridamento) para osteoartrite não ofereceu benefício superior ao procedimento placebo.

Título do Estudo: A controlled trial of arthroscopic surgery for osteoarthritis of the knee
Autores: J Bruce Moseley et al.
Publicação: N Engl J Med. 2002 Jul 11; 347(2):81-88.
DOI: 10.1056/NEJMoa013259
PMID: 12110735

Observação: Este estudo demonstrou que os resultados após a lavagem artroscópica ou desbridamento artroscópico não foram melhores do que aqueles obtidos após um procedimento placebo em pacientes com osteoartrite do joelho.


2. Cirurgia da Coluna Vertebral (Vertebroplastia para Fraturas Osteoporóticas)

Um ensaio randomizado e controlado avaliou a eficácia da vertebroplastia, um procedimento minimamente invasivo da coluna frequentemente utilizado para fraturas vertebrais osteoporóticas dolorosas.

Título do Estudo: A randomized trial of vertebroplasty for painful osteoporotic vertebral fractures
Autores: Rachelle Buchbinder et al.
Publicação: N Engl J Med. 2009 Aug 6; 361(6):557-68.
DOI: 10.1056/NEJMoa0900429
PMID: 19657121

Observação: Os resultados deste ensaio não encontraram efeito benéfico da vertebroplastia em comparação com um procedimento simulado (sham) em pacientes com fraturas vertebrais osteoporóticas dolorosas, em vários momentos de acompanhamento após o tratamento.


3. Cirurgia da Coluna Vertebral (Terapia Eletrotérmica Intradiscal – IDET)

A eficácia da terapia eletrotérmica intradiscal (IDET) para dor lombar discogênica crônica também foi testada em um ensaio controlado por placebo.

Título do Estudo: A randomized, placebo-controlled trial of intradiscal electrothermal therapy for the treatment of discogenic low back pain
Autores: Kevin J Pauza et al.
Publicação: Spine J. 2004 Jan-Feb; 4(1):27-35.
DOI: 10.1016/j.spinee.2003.07.001
PMID: 14749191

Observação: Este estudo concluiu que fatores não específicos associados ao procedimento respondem por uma parte da aparente eficácia do IDET, mas a eficácia não pode ser atribuída inteiramente a um efeito placebo. Embora a melhora média na dor e incapacidade tenha sido significativamente maior no grupo IDET, o procedimento forneceu alívio significativo apenas para uma pequena proporção de pacientes estritamente definidos com dor lombar intratável.

Autor do Artigo:

Foto de Ariani Baggio

Ariani Baggio

Fisioterapeuta osteopata com mais de 20 anos de experiência em terapias manuais.

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Ariane Baggio

Fisioterapeuta osteopata com mais de 20 anos de experiência em terapias manuais.

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